Amazônia, Opinião

O fogo na Amazônia tem que ser parado

Os focos de queimadas na Amazônia aumentaram nos últimos dias e as principais causas são redução na fiscalização de crimes ambientais e conservação mais efetiva de florestas

O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

Os focos de queimadas na Amazônia chamaram a atenção nos últimos dias, principalmente após a fumaça escura atingir cidades do Sudeste do Brasil, como ocorreu na segunda-feira, 19 de agosto. São Paulo começou a tarde com o céu encoberto por nuvens e o “dia virou noite”. O fenômeno, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), estava relacionado à chegada de uma frente fria e a partículas oriundas da fumaça produzida em incêndios florestais na região amazônica. Há várias semanas o fogo também consome grandes áreas de florestas tropicais na Bolívia, Peru e Paraguai.

O número de focos registrados no Brasil pelo Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), já é o maior de janeiro a agosto em sete anos. Em 2019, os incêndios aumentaram 82% no país em relação ao mesmo período de 2018, lembrando que estamos apenas no início do período de queimadas. As principais causas para este aumento estão relacionadas à redução na fiscalização de crimes ambientais e na conservação mais efetiva de florestas. O governo do presidente Jair Bolsonaro vem fazendo cortes orçamentários na área ambiental e já sinalizou, sob uma ótica expansionista, que o desenvolvimento da Amazônia passa pelo desmatamento.

Como a Amazônia é uma floresta tropical úmida, os incêndios mais recorrentes acontecem quando a madeira desmatada fica «secando» por alguns meses e, depois, é incendiada para abrir espaço para pastagem ou agricultura. Segundo especialistas, um incêndio natural não se alastraria com facilidade na região.

O fogo historicamente e na atualidade segue sendo a principal técnica utilizada na abertura de novas áreas para plantio. A queimada é permitida por lei em muitos estados brasileiros como forma de manejo do uso do solo. Há proprietários de terras e produtores rurais que aplicam essa técnica de forma adequada, porém, é necessário obter orientação e comunicar a ação ao órgão ambiental competente. A ocorrência de incêndios poderia ser significativamente reduzida nas paisagens tropicais por meio do treinamento de agricultores na prevenção e técnicas de manejo do fogo, incluindo onde e quando não queimar, como controlar o fogo e como reduzir o risco de fogo acidental.

No entanto, o que está acontecendo atualmente é o emprego indiscriminado e negligente de fogo, de forma intencional, criminosa e difusa, dificultando o combate aos incêndios. E os números têm aumentado. Estima-se que em 2019 mais de 90% do desmatamentos na Amazônia que antecederam as queimadas sejam resultado de atividade ilegal – o que inclui a ocupação por grileiros de terras públicas não destinadas, a abertura de garimpos clandestinos em Unidades de Conservação e Terras Indígenas e a retirada ilegal de madeira em áreas protegidas, indígenas e terras públicas não destinadas.

O fogo transforma elementos orgânicos em inorgânicos, o que, num primeiro momento, pode parecer bom para o cultivo agrícola pois disponibiliza nutrientes no solo. Porém, as chuvas levam os nutrientes do solo para os rios, impactando negativamente a saúde humana, a fertilidade do solo e a biodiversidade.

Dados do Programa Queimadas mostram que os registros de focos de incêndio de janeiro a agosto de 2019 já são os maiores em sete anos. Se comparado com o mesmo período do ano passado, o aumento é de 82%, sendo 52,5% só na Amazônia. Entre os outros biomas brasileiros, o Cerrado é responsável por 30,1%, seguido pela Mata Atlântica, com 10,9%. A série histórica do INPE começou em 1998. Se considerados todos os dados, ela mostra que as queimadas atingiram um pico no início dos anos 2000, e que os números atuais não representam recordes históricos.

De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) os dez municípios que tiveram mais focos de incêndios florestais em 2019 também são os que tiveram as maiores taxas de desmatamento. Os registros são maiores nos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Roraima.

Estudo publicado na Nature Climate Change em 2018 mostra que o Brasil pode ser a quarta economia global mais prejudicada pelo aumento da emissão de CO2 e efeitos da mudança do clima. As mudanças climáticas afetarão principalmente a agropecuária brasileira, conforme relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Isso cria um círculo vicioso, em que a agropecuária contribui para a aceleração das mudanças climáticas e, por sua vez, as mudanças climáticas contribuem para uma redução na produção e produtividade agrícola devido, principalmente, a mudança nas temperaturas e no regime de chuvas.

Neste momento diversas propostas que tramitam no Congresso Nacional, buscam enfraquecer e fragilizar o Código Florestal. Esta situação gera um cenário constante de insegurança jurídica, prejudicando o pleno cumprimento da lei, o desenvolvimento dos negócios no campo e a atração de investimentos necessários à expansão do setor. Além disso, compromete a imagem do agronegócio brasileiro no Brasil e no exterior. Soma-se a isso, o atraso na implementação de incentivos econômicos para produtores que protegem florestas em suas propriedades. O enfraquecimento do Código Florestal, se ocorrer, também contribuirá para o aumento do desmatamento na Amazônia.

NOSSA POSIÇÃO

A Solidaridad é membro ativo da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Fundada em 2016, trata-se de um movimento multisetorial que se formou com o objetivo de propor ações e influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com a criação de empregos de qualidade, o estímulo à inovação, à competitividade global do Brasil e à geração e distribuição de riqueza a toda a sociedade. Mais de 200 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil já aderiram à iniciativa.

A Coalizão Brasil manifestou sua preocupação com a escalada do desmatamento, das atividades ilegais na floresta amazônica e da violência no campo. Pedimos ao poder público que use todos os instrumentos necessários para cessar imediatamente estas práticas e restaurar a ordem no país.

O Brasil não pode retroceder nos avanços conquistados até hoje. É necessário retomar o controle do desmatamento. O período entre 2004 e 2012 foi marcado por uma queda significativa do desmatamento, junto a um período de saltos de produtividade na agropecuária. Esse histórico mostra que não é necessário desmatar para aumentar a produção agrícola. Pode-se aumentar a produção agrícola sem desmatar.

Coalizão Brasil é contrária às constantes iniciativas que propõem alterações no Código Florestal, por entender que o melhor para o desenvolvimento sustentável do agronegócio brasileiro é implementar a legislação aprovada em 2012 sem mais atrasos ou mudanças.

A iniciativa afirma que o Congresso Nacional e governos federal e estaduais precisam concentrar seus esforços na implementação do Código Florestal. Isso inclui agilizar a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), avançar na regulamentação e implementação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), implantar as Cotas de Reserva Ambiental (CRA) e regulamentar o artigo 41, que trata dos incentivos econômicos para a proteção da vegetação nativa. O Código Florestal é instrumento essencial para o cumprimento das metas brasileiras no Acordo de Paris, a gestão sustentável de terras no país, a sustentabilidade do agronegócio, a competitividade dos nossos produtos agrícolas, a segurança alimentar e hídrica e o bem-estar de todas e todos os brasileiros. Sua efetiva implementação não pode mais esperar.

A Coalizão ainda defende a estruturação de sistemas de pagamentos por resultados e mercados de carbono, voltados a garantir a integridade ambiental do sistema climático global, além de promover esforços adicionais de redução de emissões em países e jurisdições. Mercados de carbono e sistemas de pagamento por resultados devem ser vistos como meios de implementação estratégicos para os mais diversos esforços de mitigação. E, nesse contexto, servem como incentivo estrutural para esforços sustentáveis de aumento de ambição, o que é crucial para o objetivo maior do Acordo de Paris.

Como membros da Coalizão, reforçamos que conservar áreas naturais em propriedades rurais é fundamental para a proteção dos ecossistemas brasileiros e para a sustentabilidade do próprio agronegócio. A produtividade da agropecuária é altamente dependente dos serviços ecossistêmicos prestados pela vegetação nativa, tais como o controle da erosão e da perda de solo, provisão de água, manutenção de polinizadores e de inimigos naturais de pragas e doenças, regularidade do regime das chuvas, conforto térmico, redução da erosão, entre outros. Por isso, ampliar o desmatamento ou comprometer a recuperação de parte dessas áreas representa um enorme risco ao setor.

O compromisso de Solidaridad com o desenvolvimento sustentável na Amazônia, equilibrando as necessidades de diversos atores e setores, é parte de um esforço global que há anos se dedica na busca de alternativas que promovam uma agricultura livre de desmatamento.

A Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira objetiva a redução de emissões de 37% até 2025 e 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005. A maior parte desta redução virá certamente dos setores de florestas, uso da terra e agropecuária, que respondem hoje por 70% das emissões nacionais de Gases de Efeito Estufa (GEEs).

Além disso, a meta setorial de eliminar o desmatamento ilegal na Amazônia – que hoje responde por mais de 90% do desmatamento total verificado no bioma – deve representar a maior contribuição para o cumprimento da NDC brasileira. Porém, com a atual tendência de retomada das taxas de desmatamento, o atingimento das metas nacionais de redução de GEEs passa a sofrer grande risco de não cumprimento. Outras metas setoriais importantes e sinérgicas entre si são as de fortalecer o cumprimento do Código Florestal, em âmbito federal, estadual e municipal, e restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, para múltiplos usos, que também sofrem risco de não cumprimento.

O Brasil tem uma oportunidade única de se destacar numa economia de baixo carbono. Um sistema de precificação de carbono, via mercado, poderia ser um grande impulsionador para o país aproveitar o valor de nossas florestas para gerar ativos econômicos que contribuam para o desenvolvimento sustentável do país. Entretanto, para que esse potencial se concretize, é preciso buscar novos arranjos e mecanismos nos quais o setor de florestas passe a ser um elemento estratégico para atrair uma “nova leva” de investimentos para a mitigação de emissões no país, em sinergia e complementaridade com outros esforços de mitigação.

Sem apoio às atividades de redução de emissão no setor florestal, o cumprimento da NDC será mais difícil, levará mais tempo e sairá mais caro. Adicionalmente, o Brasil deixaria de captar investimentos importantes para geração de remoções e redução de emissões em larga escala e para promoção de atividades conectadas à economia da floresta em pé, como o manejo florestal sustentável, a destinação de áreas públicas não tituladas, a agricultura de baixo carbono, o reflorestamento, a restauração florestal e a recuperação de áreas degradadas, entre outros.

COMO SEGUIR

Tuerê, Estado do Pará, Solidaridad, 2017

O desafio é grande, mas o país tem muito a ganhar. Com seu agronegócio forte e competitivo, o Brasil precisa garantir o posto de potência agroambiental, uma vez que é o dono da maior floresta tropical do mundo, das mais altas taxas de biodiversidade e de 12% da água doce do planeta. Para isso, as políticas de governo precisam centrar esforços no enfrentamento da crise climática, no controle do desmatamento e no fomento à agricultura sustentável, possibilitando não só o cumprimento do Acordo de Paris, mas também o aumento da ambição de suas metas para contribuir de forma estratégica para a segurança climática e alimentar do planeta.

Propostas:

  • Implementar o Código Florestal de forma ágil e integral;
  • Aumentar a fiscalização contra o desmatamento ilegal, a extração ilegal de madeira e a mineração clandestina na Amazônia;
  • Garantir a manutenção e fortalecimento das Unidades de Conservação e Terras Indígenas;
  • Desenvolver mecanismos de incentivos para produtores que preservam a floresta em suas propriedades;
  • Dar escala a iniciativas que possam alavancar modelos de produção que integrem a conservação de florestas;
  • Criar mecanismos financeiros para estimular a agricultura de baixo carbono;
  • Promover avanços tecnológicos para possibilitar a intensificação da agricultura e pecuária;
  • Desenvolver a economia para produtos florestais não-madeireiros da Amazônia.

Treinamento de produtores em práticas de condução da lavoura cacaueira na Amazônia, Solidaridad agosto 2019

Fazer um bom uso da terra exige planejamento estratégico, considerando a vocação da propriedade e as perspectivas econômicas em infraestrutura, agricultura, pecuária e florestas. Entender e aplicar isso é essencial para mudar a situação atual. Hoje não há mais espaço para destruição de matas nativas para expansão da produção. Diversos estudos já apontaram que a combinação entre intensificação da produção e recuperação de áreas degradadas seriam suficientes para absorver a necessidade atual e futura de expansão de áreas para produção, sem necessidade adicional de converter florestas em áreas agrícolas.

As estratégias de longo prazo para a redução de incêndios florestais deveriam focar nos sistemas de produção das propriedades da região. Quando plantios sensíveis ao fogo e sistemas agroflorestais para produção de café, açaí, cacau, madeira, borracha, frutas e outros produtos são criados nas fazendas, proprietários tendem a investir mais na prevenção do fogo e tendem a usá-lo menos como ferramenta de manejo, como mostra o artigo do Earth Innovation Institute, também membro da Coalizão.  Estas culturas podem também gerar maiores rendas. A adoção desses sistemas em larga escala dependerá de grande investimento em assistência técnica, extensão rural, desenvolvimento de mercado e comercialização. Estes investimentos são essenciais para permitir que o Brasil possa continuar sua trajetória de sucesso na redução do desmatamento enquanto incrementa a produção agrícola e a pecuária.

É possível integrar o meio ambiente à produção. A natureza oferece um conjunto de serviços ambientais fundamentais. Portanto, há alternativas para que os produtores rurais da Amazônia garantam sua renda mantendo a floresta preservada.

Essa abordagem tem sido demonstrada na prática pela Solidaridad, por meio do Programa Territórios Inclusivos e Sustentáveis na Amazônia, desenvolvido há quatro anos em Novo Repartimento, no Pará. Neste programa, agricultores são apoiados na implantação de sistema produtivo sustentável que inclui cacau, pecuária e floresta. Nele, áreas de pastagem degradada nas propriedades são recuperadas produtivamente mediante sistemas agroflorestais com cacau.

Programa Territórios Inclusivos e Sustentáveis na Amazônia

Do ponto de vista do consumidor, cada vez mais preocupado com o impacto dos seus hábitos de consumo, é possível manter uma dieta balanceada com adição de proteína animal oriunda de produção pecuária sustentável. A pecuária sustentável promove práticas socialmente inclusivas e economicamente viáveis, que incluem a geração de emprego e renda para milhares de pequenos produtores e pecuaristas e, consequentemente, contribuem para o desenvolvimento econômico e social de uma região.

O Brasil está bem posicionado para liderar o percurso a uma economia de baixo carbono.  Seus mais de 7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, que deixaram de ser emitidos por meio do enorme e bem-sucedido esforço brasileiro para reduzir o desmatamento, estão agora aptos a serem monetizados. Os contratos de pagamento por performance entre o Governo Federal e países como a Noruega e a Alemanha – ambos recentemente suspensos por causa das mudanças na estrutura do Fundo Amazônia – e, mais recentemente, no âmbito do Fundo Verde do Clima, são apenas uma demonstração da valorização do mercado de créditos de carbono.

A Alemanha e o Reino Unido iniciaram recentemente um acordo de pagamento por desempenho similar com os estados de Mato Grosso e do Acre. Esses acordos dependem da continuidade do sucesso brasileiro na redução do desmatamento, que está ameaçada caso sigam os cortes no orçamento e o enfraquecimento das agências de implantação e fiscalização da legislação ambiental.