Notícia, Pecuária

Sustentabilidade da pecuária na Amazônia

Cerca de cem pecuaristas de Rondônia e do Pará participaram de workshops promovidos pela Solidaridad Brasil e GTPS sobre práticas sustentáveis no setor

Lideranças das propriedades rurais na Amazônia, especialmente as mais jovens, se mobilizam para acessar informações sobre práticas mais sustentáveis na pecuária. Os irmãos Fernando e Felipe Geraldino, filhos de pecuaristas na criação e engorda de gado em Cacoal (RO) são um exemplo disso. Os dois estiveram no workshop promovido pela Solidaridad Brasil e Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS) em Rolim de Moura (RO) sobre as principais diretrizes para a sustentabilidade no setor. “Nós, os mais jovens, entendemos que seguir estas regras traz benefícios para a propriedade e para as pessoas que participam de todo o processo, contribuindo para melhorar a produção”, comentou Fernando.

Filho de pecuarista e pai de três filhos, Maurício Fraga Filho acredita que a atuação do mercado é importante para influenciar toda a cadeia rumo à sustentabilidade. “Nós temos a terra para deixar para os nossos filhos, netos. Então, a gente tem a preocupação de mantê-las produtivas para as gerações seguintes”, explicou ele, que é médico veterinário. Maurício e o filho Guilherme participaram do workshop promovido em Marabá (PA), onde têm a propriedade rural.

Em fevereiro, a Solidaridad Brasil e o GTPS deram início às atividades de implementação do Guia de Indicadores da Pecuária Sustentável (GIPS), em parceria com a JBS e a Minerva Foods.  No total, 110 pecuaristas fornecedores da cadeia de valor dos frigoríficos nos estados de Rondônia e do Pará participaram dos seis workshops que orientaram o preenchimento da autoavaliação: Ji-Paraná, Rolim de Moura e Vilhena, em Rondônia, de 5 a 7 de fevereiro, e Novo Repartimento, Itupiranga e Marabá, no Pará, entre os dias 19 e 21.

Os parceiros da Solidaridad explicaram em Rolim de Moura (RO) que o GIPS analisa medidas sobre meio ambiente, gestão, comunidade, trabalho e cadeia de valor

Entre os pecuaristas, a consciência de que o desafio da pecuária brasileira hoje é produzir mais em menos áreas está crescendo. Valdir Lemes Machado, pecuarista de Novo Repartimento (PA), afirmou que já está investindo em técnicas para aprimorar o manejo da pastagem, com o objetivo de aumentar a produção sem desmatar. “Eu tenho interesse em saber quais são os indicadores de sustentabilidade. Até porque, por mais que tenhamos cometido alguns erros no passado, hoje nós entendemos que o correto é procurar adequar a propriedade às boas práticas”, disse.

O GIPS é uma ferramenta de autoavaliação e uso voluntário criada pelo GTPS. Sua proposta é orientar a melhoria contínua na adoção das práticas sustentáveis dos pecuaristas. O diagnóstico é gratuito, sigiloso e focado na gestão sustentável da produção e da propriedade. Luiza Bruscato, Coordenadora Executiva do GTPS, lembrou que o engajamento da cadeia de fornecimento dos frigoríficos é importante para que os produtores entendam que a sustentabilidade é uma questão mais ampla. “Eles já estão começando a ter a percepção de que o tema não se refere só questões ambientais; também é gestão, produtividade e melhoria das técnicas de manejo e de nutrição”, ressaltou.

Após fazerem a autoavaliação, os pecuaristas recebem um relatório completo da sua performance em sustentabilidade, assim como o acesso à plataforma do GIPS para que possam realizar nova análise no ano seguinte.

Durante o workshop em Novo Repartimento (PA), os participantes fizeram a autoavaliação do GIPS para receberem seus relatórios posteriormente

‘CONSUMIDORES MAIS EXIGENTES’

“Às vezes a gente fala sobre sustentabilidade, mas não sabemos quais são os índices que devemos usar para medir isso. E o GIPS vai poder ajudar nesse processo”, afirmou o pecuarista Enio Milane, de Vilhena (RO). Para ele, os consumidores estão mais exigentes e, portanto, “seguir os critérios de sustentabilidade ajuda a abrir mercados”. O pecuarista Felipe Geraldino lembrou que a legislação dos últimos anos também forçou uma maior conscientização. “As leis atuais obrigam o produtor a se tornar mais sustentável”, observou.

Os workshops são uma oportunidade para que os frigoríficos, com fornecedores diretos e indiretos na Amazônia, se comprometam a melhorar a produção de carne bovina com práticas que reduzem as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e contribuam para o uso do solo mais eficiente, sem novos desmatamentos. As principais exigências dos importadores – por sua vez pressionados pelos consumidores – são a rastreabilidade em toda a cadeia e a garantia de uma produção de baixo carbono.

Os pecuaristas poderão realizar a autoavaliação do GIPS anualmente para a melhoria contínua de suas práticas

IMPORTAÇÃO EM RISCO

O desmatamento crescente no bioma é hoje o grande entrave para a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, cuja negociação se arrasta há mais de 20 anos. Além disso, traz o risco de boicote à carne brasileira por investidores, empresas e consumidores europeus. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmate anual na Amazônia – medido entre agosto de 2018 e julho de 2019 – foi o maior para o período em uma década e registrou alta de quase 30% em relação ao ano anterior.

Para Joyce Brandão, Gerente dos Programas de Cacau, Pecuária e Soja da Solidaridad Brasil, as soluções para a produção de carne sustentável já é uma realidade. “Com este projeto, queremos facilitar a chegada de novos investimentos a regiões com baixo acesso a tecnologias, serviços e insumos, para que os pecuaristas possam fazer uma transição rápida e em escala para uma produção de baixo carbono. A Amazônia é o nosso foco, pois tem a atuação de atores fundamentais da cadeia, como a indústria. E para isso acontecer, é necessário que os pecuaristas conheçam o passo a passo para a melhoria contínua”, explica.

BAIXO CARBONO

As atividades em parceria com o GTPS fazem parte de um programa liderado pela Solidaridad Brasil que visa apoiar a transição para uma pecuária de baixo carbono na Amazônia. O objetivo é aumentar a demanda por produtos agropecuários que permitam a conservação da floresta nos mercados dos Estados Unidos e da China. O projeto é financiado pela Iniciativa Internacional para o Clima e Florestas da Noruega (NICFI) e pretende contribuir para a adaptação e mitigação das mudanças climáticas.

Também por meio de apoio da NICFI, a Solidaridad desenvolve desde 2015 o projeto Territórios Inclusivos e Sustentáveis na Amazônia no assentamento rural Tuerê, em Novo Repartimento, no Pará. No total, 200 pequenas e pequenos produtores recebem assistência técnica para implementar práticas de baixo carbono, como intensificação produtiva e recuperação de pastagens degradadas, aliando a melhoria da produção e a conservação das florestas.

SOBRE O GTPS

Criado em 2007, o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS) foi a primeira mesa redonda de discussão sobre questões relacionadas à cadeia de valor da pecuária. Composta por representantes de diferentes segmentos – incluindo produtores, indústria, fornecedores de insumos e serviços, bancos, organizações da sociedade civil, varejos e restaurantes, centros de pesquisa e universidades –, o objetivo do GTPS é promover o desenvolvimento sustentável da pecuária por meio da articulação dos diferentes elos, disseminação de informações de qualidade e promoção da melhoria contínua em todos os processos relacionados ao setor.