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Com a palavra, os produtores rurais

Publicação lançada pela Solidaridad com consulta a 10 mil agricultores de 18 países, incluindo o Brasil, o Small Farmer Atlas ressalta o desafio das mudanças climáticas e da falta de subsídios econômicos para que consigam aliar produção agrícola e condições dignas de vida

Produtores de cacau de Gana, no Oeste da África, produzem até 60% do cacau no mundo, mas representam apenas uma pequena fatia do seu valor no mercado. Foto: Solidaridad

Ainda que essenciais para o futuro do nosso planeta, as pequenas e os pequenos produtores vêm enfrentando enormes barreiras para ter uma vida digna. Eles têm grande potencial de contribuir para as soluções climáticas, mas estão entre os mais vulneráveis a eventos naturais extremos. Produzem uma proporção significativa dos alimentos do mundo, mas muitos sofrem de insegurança alimentar. Representam um setor com grande potencial e pronto para novos investimentos, mas esbarram em dificuldades para obter financiamento.

Ao mesmo tempo em que empresas, governos e organizações da sociedade civil elaboram estratégias para melhor atender e apoiá-los, eles são deixados de fora das principais discussões e decisões. Como um primeiro esforço para incluir as perspectivas dos agricultores sobre sustentabilidade, a Solidaridad elaborou a primeira edição do Small Farmer Atlas. A publicação engloba o olhar de quase 10 mil agricultores – incluindo brasileiros – em oito commodities: algodão, banana, cacau, café, cana-de-açúcar, chá, óleo de palma e soja. Buscamos ouvi-los sobre questões que vão desde prosperidade e renda até poder de barganha e uso da terra.

QUEM SÃO OS PEQUENOS AGRICULTORES?

As pequenas e os pequenos agricultores não são um grupo homogêneo e facilmente definido. As oito culturas abordadas no Atlas são produzidas por cerca de 120 milhões de pequenos agricultores, a maioria deles na África, Ásia e América Latina. Para este relatório, a Solidaridad se concentrou em duas categorias distintas:

  • Pequenos produtores comerciais – Geralmente vendem grande parte da produção para o mercado de commodities, mas muitas vezes vivem na pobreza e dependem de outras fontes de renda para sobreviver.

  • Produtores semicomerciais – Possuem propriedades com menos de 20 hectares. Estão bem conectados às cadeias produtivas domésticas e internacionais, e a agricultura pode ser uma estratégia de subsistência viável para, eventualmente, obter uma renda digna.​

Famílias produtoras de banana no Peru estão entre as que foram entrevistadas na América Latina, onde também participaram produtores de cacau, cana e soja. Foto: Solidaridad

Ainda que alguns desses produtores ainda vivam abaixo da linha da pobreza, e outros estejam a caminho de uma renda digna, eles têm os meios e o acesso necessários para fazer a agricultura funcionar. Mesmo com esse potencial, a pesquisa constatou que a maioria tem uma visão negativa sobre o futuro da agropecuária.

Economicamente, as coisas melhoraram muito. Aumentamos nossos rendimentos, mandamos nossos filhos para a escola, melhoramos as nossas casas e até conseguimos poupar algum dinheiro. Mas, nos últimos dez anos, a agricultura vem se tornando cada vez mais difícil”.

Edwin Peña, produtor de banana no Peru

POR UMA ECONOMIA MAIS INCLUSIVA

Com as condições certas, a agricultura de pequena escala pode ser um empreendimento sustentável, mas somente quando todos os atores contribuem para a criação de um ambiente de negócios equitativo que permita que os pequenos empreendimentos floresçam. Sendo assim, o Small Farmer Atlas demonstra a necessidade de uma reavaliação de como o comércio é conduzido.

Se os governos se concentrassem em apoiar os produtores e pagar por serviços ambientais para cultivar alimentos em áreas que já foram desmatadas, muitos dos problemas ambientais do mundo, mesmo na Amazônia, poderiam ser resolvidos”.

José Antônio de Oliveira, produtor familiar de cacau do assentamento Tuerê, em Novo Repartimento, no Pará

No Brasil, um dos principais desafios dos pequenos é o acesso ao crédito. Foto: Solidaridad

EQUILÍBRIO COM A NATUREZA

Três em cada cinco agricultores pesquisados expressaram sérias preocupações sobre a qualidade do solo e o acesso à água, pois dependem de um clima estável e previsível. A pressão para aumentar os rendimentos, reduzir custos e expandir as terras agrícolas levou muitos deles a depender fortemente de fertilizantes químicos e insumos caros. Isso leva ao esgotamento do carbono do solo e aumento dos custos.

Como produtores, somos totalmente dependentes da natureza, pois ela determina quando semeio e quando colho. É importante que possamos cultivar nossas lavouras respeitando a natureza. Não só porque toda a agricultura é baseada nela, mas também porque resulta em melhores rendimentos.”

Ramesh Rajput, produtor de soja na Índia

Diante desse cenário, o Small Farmer Atlas recomenda duas principais intervenções:

  • Participação nos lucros nas cadeias produtivas agropecuárias que beneficiem diretamente os agricultores e melhorem seus negócios, para que possam investir em suas fazendas e ter acesso a financiamento;

  • Mudança sistêmica que priorize as percepções dos pequenos e fundamente as intervenções para suas demandas.

«A agricultura é o trabalho mais importante do mundo, e os produtores são os que mais influenciam na nossa alimentação diária. Portanto, as opiniões e pontos de vista deles são muito importantes”, afirma Jeroen Douglas, Diretor Executivo global da Solidaridad. “Convidamos empresas e governos a envolverem verdadeiramente os agricultores na elaboração de políticas de abastecimento”, acrescenta.

BRASIL REPRESENTADO PELA CANA

No Atlas, as produtoras e os produtores rurais brasileiros foram representados pela cadeia de cana-de-açúcar, com a participação de 380 entrevistados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Atualmente, o Brasil é o principal exportador mundial de cana. De modo geral, a América Latina apresenta uma maior mecanização na produção do que a Ásia e está estruturada com grandes latifúndios. A produção brasileira é controlada por plantações e grandes usinas cooperativas, enquanto que na Índia e em outros países em desenvolvimento, os pequenos agricultores dominam o setor.

As mudanças climáticas são um tema que preocupa os canavieiros. Foto: Fellipe Abreu/Solidaridad

Incluímos também a perspectiva dos pequenos produtores de cana no Brasil. As incertezas cada vez maiores com o clima representam grande preocupação para aqueles que lutam para conseguir manter essa atividade rentável. A disponibilidade de água e o manejo da fertilidade do solo são críticos para o futuro da cultura no país”, ressalta o Diretor da Fundação Solidaridad, Rodrigo Castro.

A cana é uma cultura intensiva em água e sofre impactos negativos com alterações na temperatura. Dos canavieiros entrevistados, 93% responderam negativamente às questões de equilíbrio com a natureza. Outro fator observado é que muitos lidam com baixos rendimentos, causados sobretudo pela falta de poder de negociação em um mercado cativo, em que um grande número deles depende de poucos compradores. A demanda por cana-de-açúcar sustentável ainda é pequena e prejudicada pela falta de rastreabilidade na cadeia, já que a maioria dos consumidores não sabe de onde vem o açúcar que consome.

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