Isabelle Rogers, coordenadora do programa global de algodão da Solidaridad, mediou um painel de discussão intitulado «Qual a importância de ter uma estratégia de suprimentos sustentável?» – na Conferência Global de Sustentabilidade do Algodão, em Xangai. O painel contou com executivos da área de sustentabilidade de algumas marcas internacionais da indústria têxtil. Aqui ela compartilha os pontos-chave do painel em um passo a passo para as marcas de moda desenvolverem uma estratégia de suprimentos sustentáveis que fortalecem seus negócios.
É sabido que a indústria da moda enfrenta vários desafios de sustentabilidade em toda a sua longa e complexa cadeia de fornecimento, enquanto a produção das matérias-primas ficam fora do seu controle. Por estas razões, pode ser difícil para as marcas de moda saber por onde começar a abordar os problemas de sustentabilidade nos materiais, ou até ficarem tentadas a ignorá-las completamente.
No entanto, o mix de materiais contribui de modo muito significativo à conscientização ambiental e social de uma marca de moda. Importantes vitórias em sustentabilidade podem ser alcançadas precisamente neste estágio da cadeia de fornecimento.
Uma pesquisa recente da indústria da moda mostrou que o uso de materiais sustentáveis está aumentando: 53,7% das empresas estão usando materiais reciclados e 51,9% estão usando algodão sustentável. No entanto, as barreiras à sustentabilidade continuam sendo um problema. Por exemplo, 17,9% das empresas pesquisadas mencionaram que “é muito complicado”internalizar a temática.
Este blog destaca os pontos-chave do painel de discussão na recente Conferência Global de Sustentabilidade do Algodão em Xangai e, ao fazê-lo, pretende mostrar que desenvolver uma estratégia de materiais sustentáveis não é, na verdade, um bicho de sete cabeças.
PASSO 1: PRIORIZAR MATERIAIS
A primeira etapa da cadeia de fornecimento da moda envolve muitos materiais (algodão, poliéster, viscose e couro, para citar alguns), cada um com seus próprios desafios de sustentabilidade. Descobrir quais materiais são mais usados em seus produtos permitirá que a marca priorize quais devem concentrar seus esforços de sustentabilidade. No longo prazo, algumas marcas acabam decidindo reduzir a gama de materiais usados em seus produtos.
PASSO 2: IDENTIFIQUE OS RISCOS
Para cada material priorizado, o próximo passo é identificar as questões de sustentabilidade durante sua produção. Nesse sentido, as ONGs podem ser uma fonte útil de informações, e considerar suas propostas é uma ótima maneira de balizar as expectativas da sociedade sobre as empresas.
A campanha do Greenpeace “Detox”, que levou à criação da fundação Zero Descargas de Produtos Químicos Perigosos (ZDHC), é um exemplo de como as empresas podem melhorar significativamente sua sustentabilidade em resposta às demandas das ONGs.
Os palestrantes presentes na Conferência Global de Sustentabilidade do Algodão recomendaram que o envolvimento com as ONGs, mesmo as mais críticas, desde o início, é valioso para a elaboração de uma estratégia da empresa.
Investir no mapeamento da cadeia de fornecimento também será essencial nesta etapa para determinar como os riscos gerais de sustentabilidade se relacionam com a cadeia de suprimentos específica da marca.
PASSO 3: SELECIONAR AÇÕES DE MELHORIA
As ONGs que advogam pela adoção de mais medidas vinculadas à sustentabilidade geralmente também oferecem recomendações para um caminho a seguir. Por exemplo, o Sustainable Cotton Ranking sugere um conjunto de diretrizes sobre como os negócios podem progredir no algodão sustentável. Considerar essas recomendações, bem como identificar plataformas e iniciativas de colaboração existentes, é o próximo passo. Pode parecer trivial, mas permanece muito verdadeiro (considerando o tamanho e o número de atores na indústria da moda) que nenhuma empresa sozinha pode impulsionar a mudança por conta própria, e essa colaboração é, portanto, fundamental.
Não faltam plataformas colaborativas na indústria da moda. Durante o painel de discussão, os participantes explicaram que seus critérios para escolher qual iniciativa aderir incluem credibilidade, impacto, escalabilidade, custo e intensidade de recursos. Considerar o que os colegas e os concorrentes estão fazendo também dá uma ideia do que pode funcionar para o seu negócio.
Em alguns casos, a eliminação gradual de determinados materiais pode ser a opção mais sustentável a curto ou médio prazo. Por exemplo, muitas marcas decidiram banir a mohair de sua cadeia de suprimentos.
PASSO 4: ESTABELECER METAS
Definir metas é o próximo passo. As empresas precisam definir uma meta pública e com prazo estipulado para cada material priorizado. Essas metas devem ser específicas, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com prazo determinado (SMART, em inglês). Elas também devem ser públicos, de acordo com Harsha Vardhan, Gerente Global de Meio Ambiente da H&M: “A meta externa é um fator importante; quando você não divulga publicamente tal meta, é quase como não ter um alvo em tudo», afirma.
PASSO 5: ENGAJAR A GESTÃO EXECUTIVA
Segundo uma recente pesquisa da Drapers, mais de 80% dos representantes da indústria da moda concordam que a sustentabilidade é importante para a alta gestão. Isso é uma boa notícia. Para Phil Townsend, Especialista em Matérias-Primas Sustentáveis da M&S, é absolutamente essencial obter o engajamento da alta gerência antes de começar a comprar algodão sustentável. «Não deve ser apenas responsabilidade de uma pequena equipe de sustentabilidade, ela tem que ser incorporada em toda a empresa”, explica.
PASSO 6: IMPLEMENTAR
Treinar e engajar colegas, além do departamento de Responsabilidade Social Corporativa (RSC), é essencial. Concentrar-se nos aspectos positivos da sustentabilidade e criar oportunidades para se conectar com a realidade da produção de matérias-primas, por exemplo, organizando uma viagem a um campo de algodão, pode ser um ótima forma de sensibilizar os colegas. Para as equipes de compras, é eficaz definir metas para o fornecimento sustentável de matérias-primas. Para as equipes de marketing, é importante ajudá-las a enfatizar a comercialização da sustentabilidade. Em relação aos fornecedores, os palestrantes recomendam envolvê-los, apoiando-os com informação e treinamentos.
Com base no mapeamento inicial da cadeia, continuar investindo na rastreabilidade fornecerá uma visão maior da cadeia de suprimentos de uma marca.
PASSO 7: REPORTAR
Reportar sobre a execução da estratégia é parte integral deste processo. Além do marketing, a publicação de um relatório de RSC é um bom momento para refletir sobre os êxitos e fracassos. Além disso, as expectativas da sociedade em relação à transparência das empresas vêm aumentando. Combinar rastreabilidade e transparência pode ser um jeito poderoso de demonstrar responsabilidade perante os clientes e a sociedade em geral. Mais e mais marcas estão publicando a lista de seus fornecedores de nível 1 ou 2.
PASSO 8: REAVALIAR
Não há final de jogo. Sempre existirão novos desafios de sustentabilidade: por exemplo, jogar microplásticos de tecidos sintéticos nos oceanos, como resultado da lavagem de roupas feitas de fibras sintéticas, vem sendo alvo de intenso debate. Novos materiais também vão exigir análises em relação à sua sustentabilidade. Mesmo quando existir “soluções sustentáveis”, sempre podemos melhorar, e o passo a passo inevitavelmente se repete. O compromisso com a sustentabilidade é uma tarefa constante; uma estratégia que vive se adaptando e evoluindo nos conceitos frente aos desafios.
SUPRIMENTO SUSTENTÁVEL NO BRASIL
Como exemplo de uma estratégia de suprimentos sustentável, a gigante C&A publicou sua meta de ter 100% do seu fornecimento de algodão vindo de origem mais sustentável até 2020. Como parte desse esforço, o Instituto C&A e a Solidaridad Brasil estabeleceram uma parceria na cadeia do algodão, com recorte específico sobre a agricultura familiar no semi-árido brasileiro, englobando municípios de Minas Gerais e Bahia.
O projeto “Tecendo Valor” teve início em março de 2016 com um diagnóstico aprofundado na região e tem prazo de execução até fevereiro de 2022 para a execução de ações prioritárias. Elas incluem o ajuste e a disseminação de boas práticas agrícolas, o uso de irrigação suplementar por gotejo, o fortalecimento das cooperativas locais e o incentivo de atividades alternativas de gestão para as mulheres envolvidas na produção do algodão. O resultado esperado é a certificação BCI para os produtores familiares com o objetivo de trazer maior visibilidade e rastreabilidade a agricultores e parceiros. O projeto tem como meta final atender 838 produtores.
Texto traduzido do inglês, pode ler o original aqui.