Tema do painel “A Produção do Cacau na Amazônia e o Chocolate Bean to Bar”, do «Fórum do Cacau – Sustentabilidade e Progresso da Cacauicultura na Amazônia», o chocolate artesanal é apontado como mercado em ascensão no Brasil e no mundo. Participaram do encontro César de Mendes, chocolatier da Chocolates De Mendes, e Cristiano Villela, diretor científico do Centro de Inteligência do Cacau (CIC).
Enquanto 92% do cacau produzido no Brasil é comprado pela indústria do setor para compor a produção de chocolate de larga escala, 8% fica por conta de compradores de nicho, como é o caso daqueles representados pelo movimento Bean to Bar (do grão à barra, em tradução livre).
Villela explica que as amêndoas de cacau para produção de chocolates Bean to Bar atualmente são vendidas em pequeno volume, mas com alto valor agregado, sendo que o quilo pode custar até três vezes mais do que a amêndoa comum. E se premiada em algum concurso, o valor de venda pode chegar a R$1.500,00 /kg.
Segundo estudos do CIC, apesar do mercado de chocolate se concentrar na produção de larga escala, o posicionamento premium pode ser vantajoso para o Brasil.
Temos percebido um crescimento relevante do mercado de nicho, impulsionado pelo movimento Bean to Bar. E esse pode ser um posicionamento proveitoso e estratégico para o Brasil, já que o cacau é uma das nossas poucas commodities que podem transformar a economia do país. Mas para isso acontecer, precisamos aumentar a capacidade produtiva com foco na elevação da qualidade e tentar responder às perguntas: qual a identidade sensorial do cacau brasileiro? Como queremos ser reconhecidos? Que história a gente quer contar?”.
A Bahia, por exemplo, já possui 60 marcas de chocolate artesanal, sendo a AMMA a mais conhecida. Porém, apesar do crescente número de pequenas chocolaterias, Villela alerta que o grande desafio não se encontra na forma ou apresentação final do chocolate, mas na manutenção de sua qualidade.
“É necessário ter compromisso com a qualidade do produto em longo prazo. Estamos passando por um processo de gourmetização, mas nem todo chocolate é bom. O que diferencia um bom chocolate é a qualidade do processo: da escolha da semente, aos cuidados do cultivo, colheita, fermentação e produção do chocolate em si”, analisa.
César De Mendes, chocolatier da Chocolates De Mendes, que trabalha com o cacau nativo da região Amazônica, explica ainda que o mercado de chocolates finos e artesanais classifica as amêndoas por tamanho, fermentação, torra, descascamento. Portanto, a preocupação com a boa qualidade em todas as etapas da cadeia é determinante para feitura de um bom chocolate.
Nesta perspectiva, a Solidaridad Brasil tem atuado desde 2015, no Assentamento Tuerê, no município de Novo Repartimento/PA, no âmbito do projeto “Territórios Inclusivos e Sustentáveis”. Com o objetivo desenvolver um modelo de agropecuária de baixo carbono e sustentável na Amazônia no contexto da agricultura familiar, oferece:
- assistência técnica continuada com visitas mensais aos produtores;
- treinamentos coletivos que abordam diversas práticas sobre cacauicultura, pecuária, adequação ambiental e conservação da floresta;
- e a implantação de unidades demonstrativas, áreas experimentais que mostram na prática os benefícios do modelo promovido pela organização.
Com frequente atenção para a qualidade da produção, a Solidaridad apostou mais recentemente na seleção das amêndoas para o mercado do Bean to Bar. Paulo Lima, coordenador de projetos Agropecuários da Solidaridad, relata que em maio deste ano, o chocolate Tuerê, fabricado pela chocolateria Casa Lasevicius, com amêndoas do produtor José Silva Rosa, o Zezinho, proprietário do Sítio Três Irmãos e o primeiro a desenvolver as técnicas de fermentação e armazenamento de cacau estimuladas pelo projeto, ganhou destaque na degustação às cegas de amêndoas nacionais do Bean to Bar Chocolate Week 2018, realizada em São Paulo.
“A ideia é criar novas oportunidades de venda para o incremento de renda do produtor. Para isso, e por entender que a nossa vocação, além da assistência técnica, é construir pontes, enviamos amostras de amêndoas dos produtores de Tuerê para o CIC, que fez a análise sensorial, e selecionamos o melhor lote, que foi o do Zezinho. Paralelamente, entramos em contato com o chocolatier Bruno Lasevicius, de São Paulo, remetemos amostras das amêndoas do Zezinho e ele fez o chocolate, que leva o nome de Tuerê”, explica.
“A gente olha para o projeto e já vê resultados. Os produtores estão verdadeiramente engajados, querendo mudar as suas ações. Tudo o que falamos no campo eles estão tentando fazer. E a nossa maior alegria é ver um produtor nosso, o Zezinho, alcançar tamanho reconhecimento. Demos orientações, insistimos com ele de fazer uma amêndoa melhor e essa amêndoa se tornou um chocolate muito saboroso”, completa Pedro Sousa dos Santos, consultor da Solidaridad em Novo Repartimento.
Chocolate Tuerê: autoestima e sabor em Novo Repartimento
Para Bruno Lasevicius, chocolatier responsável pela produção do chocolate Tuerê, a amêndoa é o elemento principal do chocolate artesanal.
Como na produção Bean to Bar trabalhamos com o que tem de latente na amêndoa, pois o chocolate é resultado de uma mistura de cacau e açúcar, sem aditivos químicos, posso dizer que 60%, no mínimo, depende do produtor. Os outros 40%, como a torra, tempo de refinamento e de maturamento são de responsabilidade do chocolatier”.
Dessa forma, o que define a qualidade amêndoa passa tanto pela genética (que influencia o sabor), pelo terroir (local em que essa amêndoa é plantada e a interação que ela tem com a flora e clima da região), quanto, e sobretudo, pelo o manejo (como é colhida, separada, fermentada e seca).
“A parceria com a Casa Lasevicius vem nos ajudando com a questão dos atributos sensoriais da amêndoa, que resulta na melhoria da qualidade da produção como um todo. Eles nos indicam o que precisamos fazer e nós traduzimos em boas práticas para o produtor – secar melhor, fermentar mais, armazenar dessa maneira”, comenta Paulo.
O chocolatier, por outro lado, conta que a amêndoa de Novo Repartimento o surpreendeu já na primeira amostra.
“Existem produtores que trabalham há gerações com cacau e não conseguem ter qualidade e resultado tão interessantes quanto aos que o Zezinho conseguiu. Além disso, a qualidade se manteve no segundo lote, com resultados muito similares ao primeiro. Isso é surpreendente, porque sabemos que hoje o grande problema dos cacauicultores é ter consistência. Foi a primeira vez que tive uma boa experiência com o cacau da Amazônia. Então, vejo um potencial muito grande no trabalho da Solidaridad na região”.
O chocolate Tuerê, de qualidade aromática e gustativa, apresenta notas de guaraná e frutas amazônicas frescas. Tem sido destaque em feiras do setor e está presente em cerca de 50 pontos de vendas na cidade de São Paulo, como o Octávio Café, King Of the Fork, Café do Centro Cultural Banco do Brasil, Instituto Chão, dentre outros. Neste ano, a previsão é que as amêndoas de Zezinho cheguem aos Estados Unidos, nas regiões de São Francisco, Santa Cruz, San José e Palo Alto.
“A melhoria das amêndoas e a produção do chocolate foram um salto que eu dei na vida. Eu fui pioneiro com essa história de fazer cocho para fermentar e estou feliz. Hoje, enxergo que eu tenho que melhorar na qualidade e produtividade e para isso mexer na irrigação para produzir mais. Eu quero vender o máximo e vou fazer o máximo: produzir mais cochos e me aperfeiçoar para alcançar uma venda maior desse cacau”, finaliza Zezinho.
O produtor foi convidado pela CEPLAC para participar do salão de chocolate de Paris, com despesas custeadas pelo governo do estado do Pará. Zezinho representará todos os produtores familiares de Novo Repartimento, devido a sua dedicação em melhorar a qualidade de suas amêndoas.