Beneficiário do programa Territórios Inclusivos e Sustentáveis na Amazônia, o produtor de cacau ostenta uma das 50 melhores amêndoas de diversos continentes que concorrem ao Prêmio Internacional de Cacau
Na região de um dos maiores assentamentos da reforma agrária na América Latina, o Tuerê, em Novo Repartimento, na Amazônia paraense, vive um casal muito simpático: Maria Josélia Santos Lopes, de 55 anos, e João Evangelista Lima, de 58. João tem uma história bem diferente desde seu nascimento, ou melhor, desde o dia em que foi batizado quando criança.
Se você for na área do Serro Azul, no Tuerê, e perguntar pelo “seu João Evangelista”, não vai encontrá-lo, já o Rogério…mas que história é essa? Ele mesmo explica. “Na hora do batismo, teve uma interferência dos meus padrinhos, e meus pais acabaram mudando meu nome. Mas como já tinham se acostumado a me chamar de Rogério desde novinho, continuaram me chamando assim”, conta, explicando que os padrinhos fizeram questão de alterar seu nome para o santo homenageado no dia 27 de dezembro, data em que aconteceu o sacramento. Assim se fez, e hoje ele é João Evangelista de registro e Rogério de coração!
Nascido no município de Brejo, no Maranhão, Rogério jamais havia imaginado que seu nome, o de batismo, ficaria conhecido até mesmo do outro lado do mundo. E muito menos que isso aconteceria por causa do cacau, atividade que se dedica há alguns anos. As amêndoas híbridas produzidas por ele no sítio JE, estão entre as 50 amostras finalistas selecionadas pelo programa Cocoa of Excellence (Cacau de Excelência), cuja cerimônia de premiação ocorre este mês durante o Salão do Chocolate de Paris, o mais importante evento do setor.
Há cerca de três anos, o produtor conheceu a Fundação Solidaridad, que marcou profundamente sua vida e a forma de cultivo. Ele é um dos produtores assistidos pelo programa Territórios Inclusivos e Sustentáveis na Amazônia que, por meio de Sistemas Agroflorestais (SAFs), incentiva as famílias produtoras a seguirem as melhores práticas de fermentação, colheita, quebra e secagem do cacau para alcançar um resultado mais sustentável, incrementar a renda e ainda reduzir o desmatamento na Amazônia. O programa conta agora com o projeto RestaurAmazônia, apoiado pelo Fundo JBS pela Amazônia e que pretende beneficiar 1,5 mil famílias até 2026.
E foi por meio da Organização que a amêndoa produzida por ele concorre ao prêmio. A amostra foi enviada por um dos técnicos e, quando chegou a resposta, não podia ser melhor.
Foram muitas amostras, e a minha ter sido uma das selecionadas dentre as 50 foi muito legal, até mesmo porque eu fiz uma parte. Os meninos da Solidaridad me ensinaram a fazer, eles colocaram na estrada para andar. Mas eu também me considero merecedor e fiquei alegre”, conta.
Mesmo trabalhando com cacau há cerca de duas décadas, desde os tempos em que morava no município de São Félix do Xingu, um resultado tão expressivo só foi alcançado depois que os extensionistas da Solidaridad o ensinaram as melhores técnicas de fermentação.
Foram eles, meus parceiros, que me incentivaram. Acho que se fosse por mim, isso não teria acontecido. Minha sabedoria é pouca, a cultura muito pouca, a leitura…dependia de alguém para incentivar. E isso fez uma diferença grande. A gente ganha um pouquinho a mais e isso é bom, faz diferença no bolso da gente”, explica ele, com um largo sorriso no rosto.
DO GARIMPO À AGRICULTURA
Em uma área total de 8 hectares da fazenda, quase 5 mil pés de cacau estão em plena produção. Outros 1,6 mil são plantas jovens, que ainda não floresceram, e uma nova área está em preparo para ampliar a lavoura em mais 1,4 mil mudas, que serão plantadas nos próximos meses. É desta área que sai uma produção média anual de 4,8 toneladas de cacau, produzidas de forma cuidadosa. A propriedade ganhou cocho e estufa, estruturas necessárias para a secagem e o processo de fermentação.
A preocupação em preservar o meio ambiente é um dos pilares trabalhados pela Solidaridad com as famílias produtoras. E isso fica bem evidente na propriedade do Rogério, onde grandes árvores vêm ganhando espaço junto aos cacaueiros. “Produtor que planta cacau refloresta. Além de ele estar vivendo e sustentando sua própria família, o cacau o ajuda a reflorestar e, para o meio ambiente, isso é muito bom”, afirma.
Mas antes de suas amêndoas serem incluídas em receitas de chocolates finos, produzidos por fábricas artesanais do conceituado mercado bean-to-bar, João Evangelista trilhou outros caminhos. Quando a família foi do Maranhão para o Pará em busca de uma melhor condição de vida, fixou residência no município de Anapu. Ele tinha 17 anos e passaram a morar numa propriedade cercada pela floresta.
Ainda muito jovem, foi atraído pelo “brilho dourado” de ser garimpeiro na Serra Pelada, em Curionópolis, também no Pará. O maior garimpo a céu aberto do mundo recebia gente de todas as regiões brasileiras na década de 1980, atraídas pela promessa de enriquecimento rápido. O que milhares de homens desejavam era “bamburrar” – expressão usada por quem conseguiu ficar rico encontrando uma grande quantidade de ouro -, o que poucos conseguiam.
«Eu fiquei 14 anos trabalhando com garimpo. Daí com 33 anos foi que eu achei o jeito de trabalhar na terra”, relembra a própria história. Foi ainda trabalhando como garimpeiro em uma região de assentamento da reforma agrária que conseguiu comprar um pequeno pedaço de chão. Por sete anos viveu lá, construiu casa, ajeitou as coisas e se casou com dona Josélia. Desde então, os dois dividem a vida e o amor. E lá se vão 18 anos.
ENDEREÇO FIXO NO TUERÊ
A chegada ao Tuerê se deu pela busca de uma terra mais adequada para o plantio do cacau. Vindo de São Félix do Xingu, morou por uns tempos no município vizinho, Breu Branco, mas foi no Tuerê que encontrou sua morada definitiva. Com a renda das amêndoas, a vida foi melhorando. Construíram uma nova casa, ampla, confortável, cuja varanda recebe uma brisa leve e fresca. Também é da varanda que o casal observa os cacaueiros florescerem, darem frutos e amadurecerem até o ponto da colheita.
E a produção de cacau foi um divisor de águas na vida da família. “Se não fosse o plantio, eu nem sei se eu teria essa terra aqui. Nos momentos mais complicados, a única fonte de renda que tínhamos era só do cacau”, diz, demonstrando emoção. E assim vai se construindo a história de João Evangelista, ou Rogério, e de dona Josélia. Não é difícil entender os motivos que os levaram tão longe: o amor à terra, a vontade de produzir e o fato de terem compreendido que, no campo, homem e natureza são parte de um mesmo destino.