Durante a estiagem prolongada de 2022 a 2023, que afetou intensamente a Amazônia, o agricultor Jailton de Oliveira, de 44 anos, assistiu impotente à morte de sua plantação de cacau. Assentado em Anapu, na região da Transamazônica paraense, Jailton viu suas perspectivas de renda minguarem com a seca. Ao observar a situação crítica, o analista agropecuário da Fundação Solidaridad Joaquim Júnior, que presta assistência técnica ao produtor, recomendou que ele acessasse o CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) Sustentável — projeto pioneiro de crédito rural sustentável no Brasil.
Com o financiamento, Jailton conseguiu investir na recuperação de seus três hectares de cacau consorciados com banana, macaxeira e outras espécies nativas, como a andiroba. O recurso permitiu que ele aplicasse técnicas recomendadas, como poda e adubação, e instalasse um sistema de irrigação que reduzisse o impacto das secas futuras. “Contratei 20 horas de retroescavadeira para aumentar meu açude e consegui irrigar o cacau. Agora vou comprar a bomba e torcer para que as chuvas de verão preencham o tanque novo”, comentou ele, esperançoso.

Jailton é um dos 77 produtores de cacau do Pará contemplados na segunda rodada do CRA Sustentável, uma iniciativa que visa fortalecer a agricultura familiar e promover práticas sustentáveis. Nesta etapa foram desembolsados 462 créditos no valor de R$ 10,4 milhões, sendo 385 famílias na Bahia (R$ 7,5 milhões) e 77 no Pará (R$ 2,9 milhões). O valor médio do crédito concedido foi de R$ 22,7 mil reais, sendo o valor mínimo de R$ 5 mil e o máximo de R$ 40 mil.
O mecanismo de crédito foi idealizado pelo Instituto Arapyaú, Grupo Gaia e Tabôa Fortalecimento Comunitário, com apoio filantrópico do Instituto Humanize e assessoria jurídica do TozziniFreire Advogados. A assistência técnica rural do CRA no território amazônico é liderada pela Fundação Solidaridad.
O crédito via CRA atende a uma demanda reprimida por recursos entre famílias produtoras de cacau, em função do vazio deixado pela dificuldade de acesso ao crédito do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Sabemos que a assistência técnica é crucial para reduzir riscos e garantir o bom uso do dinheiro”, explica Paulo Lima, Gerente de Programas da Solidaridad.
De acordo com o estudo do Climate Policy Initiative (CPI) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), apenas 15% dos agricultores familiares têm acesso ao crédito rural. Apesar de representarem 75% das propriedades rurais do Brasil, a obtenção de crédito é limitada e desigual dependendo do tamanho das fazendas, localidade e culturas cultivadas. Dos 15% que obtêm acesso ao crédito, 20% são de propriedades entre dez e 100 hectares, enquanto propriedades menores, com até quatro hectares, representam apenas 10% do total.

As diferenças geográficas também são enormes: segundo a pesquisa, 29% dos produtores são da região Sul e apenas 9% da região Norte. No Pronaf, principal linha de crédito para a agricultura familiar, os contratos do Sul têm um valor médio por hectare 18 vezes maior que os do Norte, e grãos (milho, trigo e soja) apresentam um financiamento muito maior se comparados aos produtos cultivados na Amazônia (mandioca, banana, cacau, açaí etc.).
A iniciativa combina a disponibilização de recursos financeiros com acompanhamento técnico rural. “As linhas de crédito oferecem um financiamento mais acessível para agricultores familiares, além de apresentarem processos simplificados, nos quais o plano de investimento é construído em conjunto com o agricultor”, explica Roberto Vilela, Diretor Executivo da Tabôa. O projeto prevê a produção sustentável de cacau em 2 mil hectares e a conservação e preservação de 3 mil hectares de floresta, reforçando o compromisso com práticas de baixo impacto ambiental.
ARRANJO COLABORATIVO
O CRA foi estruturado no conceito de blended finance, modelo de financiamento que combina diversas fontes de recursos, como filantrópicos e de mercado, para democratizar o acesso ao crédito, especialmente para agricultores familiares assentados da reforma agrária — público com maior dificuldade de acesso a esse tipo de serviço. Tal arranjo foi decisivo para que o projeto fosse contemplado no edital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que visa fomentar o uso de estruturas de financiamento híbridas no país.
Para a diretora Socioambiental do BNDES, Tereza Campello, a iniciativa contribui para o desenvolvimento econômico e social, com preservação e restauração da floresta. “O projeto ajuda a disseminar práticas de cultivo tradicionais e sustentáveis que têm viabilidade econômica, abrindo caminho para que populações hoje em situação vulnerável se estabeleçam em atividades rentáveis, com aumento de produção e produtividade”, explica Tereza. “Além disso, é replicável para outros cultivos e regiões do país”, completa.

Para acessar os recursos do CRA Sustentável, os produtores de cacau precisam cumprir exigências que garantam a sustentabilidade social e ambiental de suas atividades. Entre os compromissos, destacam-se a proibição do trabalho infantil e a preservação de áreas de proteção permanente, como margens de rios, encostas e nascentes. Além disso, todos os beneficiados devem utilizar Sistemas Agroflorestais (SAFs) no cultivo.
Na primeira etapa, realizada no sul da Bahia, o projeto CRA Sustentável já provou sua eficácia durante a fase piloto, entre os anos de 2020 e 2023. Nesse período, os resultados impressionaram: a renda dos produtores registrou um aumento médio de 60%, enquanto que a inadimplência permaneceu em apenas 0,28%, índice considerado excepcionalmente baixo. A produtividade também foi expressiva, com um crescimento de 52% no cacau.