Principal reserva de floresta tropical do mundo, o bioma vem sofrendo com o desmatamento crescente dos últimos anos e abre espaço para novas epidemias. Situação exige papel ativo do setor privado em prol de uma economia de baixo carbono
A Amazônia ocupa uma área correspondente a cerca de 40% da América do Sul. A região, de densa floresta tropical, espalha-se por nove países, mas 60% de sua extensão situa-se no Brasil. Na Amazônia legal brasileira, vivem 27 milhões de pessoas. A floresta possui a maior concentração de plantas, animais, fungos, bactérias e algas da Terra, desempenha papel crucial no ciclo da água e no regime de chuvas da América do Sul e tem extrema importância na regulação do clima global e mitigação do aquecimento do planeta.
Segundo dados da Universidade de Maryland (EUA), lançados no Global Forest Watch, o Brasil é o país que mais perdeu área de florestas no mundo. De janeiro a dezembro de 2019, registrou a maior taxa de desmatamento anual em uma década, acumulando quase 1,4 milhão km² destruídos — o que corresponde a um terço do que foi desmatado em todo o planeta nesse período. No primeiro semestre de 2020, a conversão de vegetação nativa na Amazônia Legal foi 26% superior em relação ao mesmo período de 2019, com perda de 3 mil km². Isso representa o pior resultado do primeiro semestre nos últimos cinco anos.
Há evidências científicas de que caso o desmatamento acumulado da Amazônia ultrapasse 25% da sua área, ele poderá representar o ponto de inflexão e levar à “savanização” do bioma. Em editorial para a revista científica Science Advances, publicado em fevereiro de 2018, o climatologista brasileiro Carlos Nobre e o professor da Universidade George Mason, Thomas Lovejoy, afirmam que o ponto de inflexão causaria mudanças imprevisíveis nos padrões de chuva das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste, com forte impacto na agropecuária.
O aumento das queimadas, do desmatamento e da degradação florestal, resultando em perda da biodiversidade amazônica, coincidem com o afrouxamento da política ambiental do atual governo brasileiro. A sinalização da atual gestão quanto à possibilidade da abertura de terras indígenas e unidades de conservação para exploração econômica vem encorajando madeireiros, fazendeiros e especuladores ilegais a ocupar e destruir a região. O Ministério do Meio Ambiente tem sido ineficiente no combate ao desmatamento, reduzindo a transparência de atos no setor e promovendo o desaparelhamento de importantes órgãos de fiscalização.
Cientistas vêm alertando há pelo menos duas décadas que, após queimadas e desmatamentos, o processo de degradação contribui para o aumento do contato de animais silvestres com comunidades humanas vizinhas, tornando-se vetores para bactérias zoonóticas, vírus e parasitas. Isso contribuiu nos últimos anos para o aumento de surtos de doenças altamente infecciosas: Ebola, Gripe Aviária, Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e Zika. Em todos estes casos, os vírus foram transmitidos para seres humanos por animais que habitam florestas tropicais.
E a próxima pandemia poderá se originar na Amazônia brasileira se as taxas de desmatamento no bioma seguirem crescendo no ritmo atual. Em 2015, uma equipe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que, para cada 1% de áreas verdes suprimidas anualmente no bioma, os casos de malária aumentavam 23%. Mais recentemente, estudo da Universidade de Columbia (EUA) revela que mais de 3,2 mil tipos de coronavírus circulam em morcegos na Amazônia, e muitos deles podem oferecer risco potencial aos seres humanos.
QUAL O PAPEL DAS EMPRESAS?
O setor privado tem papel crucial no combate ao desmatamento da Amazônia e em outros biomas mas, em geral, ainda age de maneira coadjuvante, a reboque da pressão da sociedade e sem uma agenda propositiva. Quase todo o desmatamento no Brasil hoje é ilegal, mas não se sabe quais empresas têm fornecedores que operam em terras desmatadas ilegalmente. Nas cadeias produtivas, mesmo os exportadores de carne bovina estão no escuro: eles registram principalmente as fazendas em que seu gado foi engordado, mas não onde foram criados. Consequentemente, os sistemas de monitoramento atuais não conseguem capturar entre 85% e 90% do desmatamento.
Se os exportadores quiserem provar que agem com responsabilidade, precisarão obter e compartilhar dados sobre os elos descobertos de suas cadeias. Os supermercados podem acelerar esse processo, dizendo aos consumidores de onde vem a carne. E assim obrigam as empresas a mudarem suas práticas não somente do ponto de vista ético, mas também comercial.
Compradores internacionais de commodities agrícolas têm uma crescente preocupação sobre a relação da produção de alimentos com a conversão de vegetação nativa. Mesmo que a grande maioria dos produtos seja livre de desmatamento no Brasil, artigo publicado na revista Science em julho, assinado por Raoni Rajão e outros pesquisadores do Brasil e de outros países, revela que apenas 2% da propriedades rurais na Amazônia e no Cerrado são responsáveis por 62% do desmatamento potencialmente ilegal. Além disso, estima-se que 20% das exportações de soja e pelo menos 17% das exportações de carne dos dois biomas para a União Europeia (UE) estejam associadas ao desmatamento ilegal, gerando pressão para a não ratificação do acordo UE e Mercosul e o boicote a produtos brasileiros.
REAÇÃO GLOBAL
Um grupo formado por quase 30 instituições financeiras internacionais, que gerenciam mais de US$ 3,7 trilhões em ativos totais, exigiu recentemente que o governo brasileiro freasse o crescente desmatamento no país por criar riscos e incertezas sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil. O grupo reconheceu o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, na proteção da biodiversidade e na redução de riscos para os investimentos. Afirmaram que as empresas expostas a desmatamento potencial em suas operações e cadeias de suprimentos no Brasil poderão enfrentar dificuldade no acesso a mercados internacionais.
Recentemente, 38 CEOs das maiores companhias que atuam no Brasil endereçaram uma carta às principais autoridades da nação exigindo o combate efetivo do desmatamento ilegal na Amazônia e demais biomas e compromisso com o desenvolvimento sustentável da região. Esse movimento já conta com mais de 70 empresas que propõem a inclusão social e econômica de comunidades locais para garantir a preservação das florestas; a minimização do impacto ambiental no uso dos recursos naturais, buscando eficiência produtividade nas atividades econômicas daí derivadas; a valorização e preservação da biodiversidade como parte integral das estratégias empresariais; a adoção de mecanismos de negociação de créditos de carbono e direcionamento de financiamentos e investimentos para uma economia circular e de baixo carbono.
POTÊNCIA AGROCLIMÁTICA
Se o país optar por expandir sua produção agropecuária livre de desmatamento, utilizando meios de produção e uso da terra mais eficientes e intensivos, poderá dar um salto em direção à sustentabilidade, produtividade e competitividade. Boas práticas atreladas à produção atraem investimentos. As tendências mundiais indicam que a sustentabilidade está no foco de empresas, do mercado financeiro, dos consumidores e de muitos governos. A adoção de melhores práticas ambientais, sociais e de governança (da sigla em inglês ESG — Environment, Social and Governance) poderá valorizar a marca Brasil no mundo e fortalecer a posição do país como potência agroclimática.
Estudo lançado recentemente pelo World Resources Institute (WRI) Brasil estimou os impactos positivos e os benefícios para o país até 2030 a partir da adoção de medidas concretas nas áreas de infraestrutura inteligente, inovação na indústria e agricultura sustentável. O país poderá ganhar até R$ 2,8 trilhões, gerar 2 milhões de postos de trabalho adicionais e atrair investimentos internacionais. Somente na agricultura, poderia haver um incremento de R$ 19 bilhões em receitas, a restauração de 120 mil km² de pastagens degradadas e a redução em 42% as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Se isso acontecer, em dez anos o país será menos desigual, mais competitivo e livre do desmatamento.
Os diversos atores da sociedade brasileira precisam agir de forma integrada em torno do objetivo comum da sustentabilidade. Ela passa pela preservação da Amazônia, seus povos, suas comunidades, suas potencialidades produtivas e seu patrimônio natural único. Além disso, estudo do WWF recomenda que os governos devem adotar leis que eliminem a destruição da natureza e fomentar políticas que estimulem o surgimento de modelos econômicos que valorizem a natureza como base para sociedades saudáveis. Especialmente após a Covid-19, devemos nos empenhar para construir uma economia mais eficiente, resiliente, justa e sustentável. No caso do Brasil, segundo o WRI Brasil, são necessárias políticas para reduzir a pobreza e a desigualdade, estimular o crescimento econômico sustentável e tornar o país mais resiliente às mudanças climáticas e aos riscos de futuras pandemias.
NOSSO POSICIONAMENTO
A Solidaridad Brasil é membro ativo da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Constituída em 2015, trata-se de um movimento multisetorial com o objetivo de propor ações e influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com a criação de empregos de qualidade e o estímulo à inovação, à competitividade global do Brasil e à geração e distribuição de riqueza a toda a sociedade. Mais de 200 representantes do agronegócio, da sociedade civil organizada, do setor financeiro e da academia fazem parte da iniciativa.
Em seu último posicionamento, divulgado em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o movimento denuncia o grave cenário de desmatamentos e focos de incêndios ilegais na Amazônia, que têm representado sério risco à biodiversidade, ao clima e à segurança hídrica e têm sido avassaladores para as populações tradicionais e para a reputação do país frente a mercados, investidores e à sociedade em geral. Além disso, chama a atenção para os fortes indícios de ilegalidade, uma vez que, segundo o MapBiomas, 99% de todo o desmatamento do Brasil ocorreu em áreas protegidas com restrição à supressão da vegetação ou sem autorização.
A Coalizão ainda lançou um pacote de ações que podem, a curto prazo, reduzir drasticamente o desmatamento na Amazônia. A proposta inclui a retomada e intensificação da fiscalização, bem como a suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que incidem sobre florestas públicas e a responsabilização por eventuais desmatamentos ilegais. Além disso, pretende-se destinar 100 mil km² à proteção e uso sustentável, empregar o uso de critérios socioambientais para a concessão de financiamentos, adotar total transparência e eficiência às autorizações de supressão da vegetação e suspender todos os processos de regularização fundiária de imóveis com desmatamento após julho de 2008.
PRODUÇÃO DE BAIXO CARBONO
Dentro desse contexto, a Solidaridad atua para que a produção de commodities agropecuárias seja feita de forma sustentável, garantindo a preservação de áreas de vegetação nativa. Assim, busca acelerar a transição para uma produção inclusiva e de baixo carbono, contribuindo para a segurança alimentar e climática do país e do mundo, maximizando os benefícios para as pessoas e o planeta.
Desde 2015, desenvolve o projeto Territórios Inclusivos e Sustentáveis na Amazônia no assentamento rural Tuerê, em Novo Repartimento, no Pará. No total, mais de 225 pequenas e pequenos produtores recebem assistência técnica para implementar práticas de baixo carbono, como intensificação produtiva e restauração produtiva de pastagens degradadas, aliando a melhoria da produção à conservação das florestas.
A técnica denominada restauração produtiva adotada pela Solidaridad Brasil na Amazônia é baseada em Sistemas Agroflorestais (SAFs). A escolha do SAF, tendo o cacau — espécie nativa da região — como carro-chefe, atende simultaneamente às prioridades de recomposição florestal e geração de renda. Esta união garante a sustentabilidade do processo e promove a inclusão da agricultura familiar na cadeia produtiva, na regularização ambiental e na mitigação de efeitos do aquecimento global.
Sistemas agrícolas de produção de alimentos que buscam reduzir o desmatamento e a degradação, como os disseminados pela Solidaridad, contribuem para a redução de emissões de GEE e de potenciais riscos de transmissão de novas doenças associadas à degradação florestal.