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Ferramentas de monitoramento e rastreabilidade do desmatamento

Commodities globais populares, como café, óleo de palma e carne bovina, estão diretamente ligadas ao desmatamento. À medida que nossa necessidade e demanda por produtos continuam a crescer, as florestas do mundo todo sentem a pressão. Entretanto, essas mesmas florestas são essenciais para fornecer serviços ecossistêmicos e ajudar a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Encontrar um equilíbrio entre a conservação e a produção responsável depende de ferramentas de monitoramento e rastreabilidade, pois elas nos permitem desenvolver um entendimento preciso dessas importantes paisagens.

Um estudo recente constatou que 27% da perda florestal global pode ser atribuída à produção de commodities e 5 milhões de hectares de desmatamento por ano são oriundos de suas cadeias de suprimento. Embora muitas commodities tenham sido vinculadas ao desmatamento, a carne bovina, a soja, o óleo de palma e a madeira são os principais impulsionadores do desmatamento tropical em todo o mundo.

O desmatamento tem muitos efeitos adversos, inclusive o aumento do dióxido de carbono na atmosfera, a perda de biodiversidade, a erosão e a degradação do solo e a redução das oportunidades de subsistência das comunidades próximas às florestas. A solução de um problema tão complexo como o desmatamento exige que governos, empresas do setor privado, organizações da sociedade civil e comunidades trabalhem em harmonia para criar soluções.

O papel do setor privado no combate ao desmatamento tropical

O envolvimento do setor privado é considerado uma das principais ações para reduzir o desmatamento em todo o mundo. Com o aumento da demanda dos consumidores e da pressão de investidores e governos por um fornecimento livre de desmatamento, as empresas reconheceram a obrigação de comprar commodities de forma responsável. Os acordos empresariais de desmatamento zero surgiram como uma ferramenta importante.

As empresas são incentivadas a lidar com o desmatamento em suas cadeias de suprimentos por vários motivos.

  • Primeiro, o desmatamento pode contribuir para aumentar os riscos comerciais, incluindo interrupções na cadeia de suprimentos, danos à reputação ou responsabilidades de natureza jurídica;
  • Segundo, as empresas estão sob crescente pressão regulatória para lidar com o desmatamento. Mais governos estão emitindo requisitos obrigatórios de due diligence, moratórias para o desmatamento ou proibições de madeira ilegal.

No início deste ano, a Regulamentação da União Europeia (UE) para reduzir o desmatamento e a degradação florestal foi formalmente adotada. Os Estados Unidos propuseram uma legislação semelhante, embora ainda não tenha sido aprovada.

Além dos acordos empresariais individuais, surgiram vários acordos de desmatamento específicos do setor. A Moratória da Soja foi um acordo brasileiro entre traders de commodities para evitar a compra de soja cultivada em terras desmatadas e foi o primeiro acordo voluntário de desmatamento zero na região dos trópicos.

Os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) da Carne são outro exemplo de acordos específicos do setor que enfrenta a questão do desmatamento. Os TACs da Carne exigem que os processadores de carne bovina comprovem que não estão comprando gado de fazendas ligadas ao desmatamento. Embora eles tenham sido adotados por quase 75% dos principais frigoríficos do Brasil, houve desafios relacionados à aplicação e ao monitoramento desses acordos.

O que significa monitoramento e rastreabilidade do desmatamento?

Em 2022, mais de 500 empresas adotaram acordos de desmatamento zero. Contudo, a despeito do número crescente de acordos, muitas vezes há barreiras que dificultam a capacidade das empresas de transformá-los em ação. Como resultado, as taxas de desmatamento de florestas tropicais continuam altas.

Um dos maiores desafios é a visibilidade limitada dentro das cadeias de suprimentos das empresas, que geralmente são complexas e envolvem uma série de intermediários entre a fazenda e o produto final. A solução para as lacunas de informações e o fortalecimento do monitoramento e da rastreabilidade são fundamentais para reduzir o desmatamento provocado por commodities e facilitar a observância das regulamentações que estão surgindo.

A rastreabilidade refere-se à capacidade de rastrear a origem dos produtos ao longo da cadeia de suprimentos até sua fonte. No contexto do desmatamento, a rastreabilidade pode envolver o rastreamento da origem de produtos como carne bovina, óleo de palma ou soja, para garantir que eles sejam provenientes de fontes sustentáveis e legalmente estabelecidas. Um relatório de 2021 da iniciativa Disclosure Insight Action (CDP) constatou que, embora a maioria das empresas tivesse algum sistema de rastreabilidade, muitas vezes havia lacunas significativas de informações, o que dificultava o rastreamento desde a origem de suas commodities.

Apenas 23% das 157 empresas avaliadas pela CDP conseguiram rastrear mais de 90% dos volumes de seus produtos até o nível municipal em pelo menos uma commodity. Além disso, 38% das empresas avaliadas declararam não ter informações sobre as origens de pelo menos metade de seus volumes de commodities.

O monitoramento refere-se ao processo de coleta e análise de dados sobre mudanças na cobertura florestal e outros indicadores ambientais, como estoques de carbono e biodiversidade, ao longo do tempo. O monitoramento muitas vezes envolve o uso e a análise de imagens de satélite para identificar áreas onde as árvores foram cortadas e as tendências e padrões nas taxas de desmatamento. As florestas podem ser avaliadas ainda de acordo com seus estoques de carbono e, consequentemente, suas prováveis emissões se forem desmatadas.

O monitoramento preciso das florestas de acordo com seu valor de biodiversidade é uma tarefa mais difícil. Cada espécie ocupa uma área, mas a coleta de dados observacionais suficientes para mapear com precisão essas áreas ainda não ocorreu, mesmo para as espécies mais ameaçadas. Nesse caso, os pesquisadores se baseiam em intervalos aproximados, com base em várias características geofísicas, para identificar florestas em locais que provavelmente servirão de habitat para diferentes espécies.

Ferramentas eficazes de monitoramento são essenciais para que governos, empresas e outros atores das cadeias produtivas possam tomar decisões mais bem embasadas sobre desmatamento, conservação da biodiversidade e compras sustentáveis.

Um exemplo do mundo real: rastreabilidade e monitoramento na Amazônia

Os desafios do desmatamento e da perda de biodiversidade são ainda mais graves na bacia do rio Amazonas, que contém metade das florestas tropicais remanescentes do mundo. A perda de florestas na Amazônia é impulsionada principalmente pela expansão agropecuária para a criação de gado, além da produção de soja e óleo de palma.

Desde 2022, a Solidaridad tem procurado reduzir o desmatamento causado por commodities e melhorar a conservação da biodiversidade na Amazônia por meio da iniciativa Amazônia Connect, uma parceria entre a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), o Earth Innovation Institute (EII), a National Wildlife Federation (NWF) e a Universidade de Wisconsin-Madison (UW). Ao longo de cinco anos, o Amazônia Connect pretende trabalhar com empresas nacionais e internacionais para monitorar mais de 8 milhões de hectares de floresta no Brasil, Colômbia e Peru.

O programa envolverá as empresas na promoção da adoção de ferramentas digitais em suas cadeias e as apoiará no uso dessas ferramentas, cujos dados poderão influenciar a tomada de decisão relativa ao fornecimento sem desmatamento e à conservação da biodiversidade.

Um mergulho profundo nas cadeias de suprimentos
A carne bovina percorre um longo e sinuoso caminho desde os pastos desmatados até as prateleiras dos supermercados. Regulamentações foram introduzidas para monitorar as cadeias de suprimento no Brasil, mas elas se concentram principalmente nas fazendas que vendem diretamente aos frigoríficos. Isso não leva em conta o fato de que o gado é frequentemente transportado entre várias fazendas diferentes antes do abate. Expandir o monitoramento, mesmo que minimamente, para além das fazendas que vendem gado para abate, ajudará a concretizar o compromisso do Brasil de eliminar o desmatamento ilegal.

Em artigo da Vox, a pesquisadora da UW Holly Gibbs afirma que “os frigoríficos estão deixando passar cerca de 60% do desmatamento em suas cadeias de suprimentos por não considerarem os fornecedores indiretos”.

A Visipec, primeira ferramenta de rastreabilidade para fornecedores indiretos de gado no Brasil, vem tendo seu uso adaptado e ampliado por meio da Amazonia Connect. A Visipec compila dados de várias fontes disponíveis publicamente numa ferramenta complementar que as empresas podem integrar aos seus sistemas de monitoramento existentes e, assim, aumentar a visibilidade da cadeia. Isso permite que elas detectem com mais precisão quando um produtor ligado ao desmatamento “contamina” suas cadeias de suprimentos.

A Visiprast é outra ferramenta que a UW, juntamente com a NWF e sua parceira de implementação, a Fundación Proyección Ecosocial, vem testando para monitorar os acordos nacionais de desmatamento zero da Colômbia relacionados a laticínios e carne bovina. No âmbito do Amazônia Connect, a ferramenta será continuamente atualizada com o conjunto de dados mais recentes do país e divulgada para as empresas que trabalham nas cadeias produtivas de gado. Além disso, o Amazônia Connect apoiará o uso da Visiprast para o monitoramento do desmatamento nas cadeias de suprimento das empresas de óleo de palma no Peru.

Os dados sobre biodiversidade serão um novo elemento para ambas as ferramentas, que serão integradas nos três países. As empresas receberão informações novas e personalizadas para examinar, gerenciar e monitorar adequadamente os riscos à biodiversidade. Nesse sentido, a equipe da UW está explorando várias fontes e métricas para identificar as mais relevantes para as empresas, uma vez que há diversas maneiras de descrever o valor da biodiversidade das florestas no nível das propriedades.

Há muito tempo as empresas vêm pensando em como monitorar as florestas e outras variáveis ambientais, como a qualidade da água, em suas cadeias de suprimentos. Mas, em geral, não estão monitorando a biodiversidade, sobretudo porque é difícil obter esses dados, disse Clare Sullivan, pesquisadora da Universidade de Wisconsin-Madison (na foto abaixo).

Dessa forma, uma das coisas que queremos fazer é produzir indicadores simples do valor da biodiversidade que sejam confiáveis e fáceis de usar pelas empresas. Isso significa analisar os dados existentes para melhorá-los, trabalhar com dados globais e fazer parcerias com cientistas para expandir nosso conhecimento.

Para reduzir o desmatamento nas cadeias de suprimento das empresas em nível global, o envolvimento direto delas é um componente fundamental. Não obstante, as lacunas de informação muitas vezes impedem a capacidade de processadores, traders e compradores de transformar seus acordos em ação. Ferramentas digitais, como a Visipec e a Visiprast, podem ajudar as empresas a entender melhor suas cadeias e adotar medidas para reduzir o desmatamento e a perda de biodiversidade.

Sendo assim, o Amazônia Connect busca ampliar essas ferramentas de monitoramento e rastreabilidade para novas commodities e países, envolvendo o setor privado em esforços para aumentar a sustentabilidade na produção agropecuária, melhorar a conservação da biodiversidade e reduzir as emissões de gases de efeito estufa nas principais regiões da Amazônia.

Este artigo foi viabilizado graças ao generoso apoio do povo dos Estados Unidos da América por meio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O conteúdo deste artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete necessariamente as opiniões ou posicionamentos da USAID ou do governo dos EUA.

PARCEIROS:

Rodrigo Castro

Diretor de País

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