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Fundação Solidaridad avalia sistema alemão de denúncias na cadeia do café

Verificou-se a efetividade de uma ferramenta que recebe queixas de violações de direitos humanos e irregularidades ambientais sob a ótica da nova lei alemã aplicada ao setor agropecuário
Para uma melhor compreensão do cenário brasileiro, foram realizadas entrevistas com 45 trabalhadores rurais e 35 produtores. Foto: Fundação Solidaridad

Entre os meses de abril e dezembro de 2023, a Fundação Solidaridad promoveu na região da Alta Mogiana, entre os estados de São Paulo e Minas Gerais, o projeto Q C Conta, que ouviu relatos de diversos atores locais da cadeia produtiva do café. O objetivo foi avaliar a efetividade do Ear4U: um mecanismo de denúncia de violação de direitos humanos baseado na nova legislação de devida diligência alemã, a ser cumprida em todas as cadeias agropecuárias que fornecem insumos ao país europeu. A iniciativa contou com o apoio da GIZ (Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável) e da Deutscher Kaffeeverband (Associação Alemã do Café).

A Alemanha ocupa o posto de segundo maior importador de café brasileiro: somente entre janeiro e fevereiro deste ano, mais de 1,2 milhões de sacas de 60kg tiveram as terras germânicas como seu destino final, segundo dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Já a região de Alta Mogiana foi selecionada como foco da análise por ser representativa em relação à produção cafeeira nacional, além de ser reconhecida internacionalmente pela excelência de seus grãos. O nome do projeto em português, “Q C Conta”, remete a uma maneira prosaica de perguntar o que o outro tem a dizer, fazendo alusão ao nome em inglês que, numa adaptação livre, significaria “sou todo ouvidos”.

Para que a avaliação fosse efetiva, foram considerados não apenas as instâncias e os processos do mecanismo de denúncia, mas também os indicadores de risco da lei. Dessa forma, eles foram categorizados e inseridos no Extension Solution, ferramenta digital usada para a coleta de dados. Ao todo, foram feitas 80 entrevistas, contemplando 45 trabalhadores rurais e 35 produtores.

As entrevistas que fizemos consideraram os aspectos da devida diligência sob a ótica do trabalhador e do produtor, dividindo-os em categorias: os trabalhadores foram separados entre fixos, temporários locais e temporários migrantes, e os produtores entre pequenos, médios e grandes. As lavouras também passaram por critérios de elegibilidade. Por exemplo, apenas um percentual de fazendas certificadas puderam participar. Nosso objetivo era estabelecer uma amostra que representasse bem a região”,  conta Gabriel Dedini, Gerente de Programas de Café e Erva-mate da Fundação Solidaridad.

Segurança ocupacional, condições de trabalho e remuneração foram alguns dos parâmetros avaliados pelo projeto. Foto: Fundação Solidaridad

Os dados para a avaliação foram coletados durante o período de colheita, um momento delicado em função da presença constante dos órgãos fiscalizadores. Para evitar a interferência do contexto nas respostas obtidas, facilitadores locais, como cooperativas, associações e lideranças da região, acompanharam as entrevistas em todas as propriedades, dando mais segurança a trabalhadores e produtores.

Apresentados durante workshop aos agricultores participantes,os resultados obtidos foram disponibilizados num dashboard e tiveram como parâmetro questões como segurança ocupacional, condições de trabalho e remuneração. O cenário se mostrou favorável, com alcance de 83% dos critérios estabelecidos pela legislação alemã, além de um alto índice de alinhamento entre as respostas dos dois públicos entrevistados. Durante as visitas, foi possível notar relações de trabalho harmoniosas e alojamentos confortáveis, com empregados que retornam à mesma fazenda há anos. No entanto, a contratação de mão de obra ainda é um desafio, e a informalidade abre precedentes para violações de direitos.

RELEVÂNCIA NO SETOR

O tema tem ganhado destaque nas discussões da cafeicultura, contando com o envolvimento da sociedade civil, setor público e iniciativa privada. Há cada vez mais articulações que fomentam a mitigação de situações de risco e a promoção de adequações nas propriedades rurais, especialmente relacionadas aos trabalhadores temporários, contratados durante o período de colheita.

Com o diagnóstico estabelecido, foi possível avaliar o mecanismo de denúncia aplicando-o na realidade da produção de café no Brasil, o que evidenciou a necessidade de adaptá-lo ao contexto local, tornando-o menos genérico. Sua efetividade demandaria novos esforços, o que acarretaria investimentos das empresas que compõem o setor. Antes de serem enviadas aos parceiros, as recomendações de melhorias para adaptação da ferramenta e os resultados gerados foram validados com três atores-chave da cadeia produtiva: o Cecafé, o Conselho Nacional do Café (CNC) e o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

As melhorias a serem implementadas no mecanismo de denúncia foram validadas por diversos elos da cadeia cafeeira, atuantes na região da Alta Mogiana. Foto: Fundação Solidaridad

Como o primeiro país a testar o Ear4U, o Brasil mostrou como o contexto local precisa ser considerado em iniciativas em nível global que tenham o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável. Segundo Gabriel, contemplar as especificidades de cada região e de suas culturas pode não só aprimorar o mecanismo de denúncia, como também permitir ações de prevenção.

“Para atender a devida diligência, é necessário dar um passo além do mecanismo de denúncia e conhecer a cadeia produtiva. É preciso uma análise de risco para compreender quais são os pontos críticos, onde eles podem acontecer e qual sua gravidade, possibilitando a tomada de medidas preventivas, antes que aconteçam infrações”, explica.

Gabriel Dedini

Gerente de Programas de Café e Erva-mate

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