Produtor@s de cana-de-açúcar destacam as novas perspectivas trazidas pelo Muda Cana para o associativismo, parcerias e práticas sustentáveis. Programa foi destaque em relatório global da Solidaridad
Desde o seu lançamento, em 2017, o programa Muda Cana tem permitido uma maior integração entre as principais associações brasileiras de produtor@s de cana-de-açúcar. Fruto da parceria entre a Solidaridad Brasil e a Organização de Associações de Cana do Brasil (Orplana), a iniciativa vem fomentando a troca entre @s agricultor@s, que passam a valorizar o trabalho colaborativo no setor, e promove novas parcerias e a reprodução de práticas sustentáveis na cadeia de valor. Não é à toa que o Muda Cana foi um dos destaques do relatório Uma década de iniciativa em cana-de-açúcar sustentável, produzido pela Solidaridad com seus principais projetos no mundo nos últimos dez anos em busca da sustentabilidade na produção de cana-de-açúcar.
Associar-se é muito importante para o pequeno, muitas vezes esquecido. Se você junta forças, você se torna atrativo para o mercado”, afirma Ulisses Fanton, diretor-adjunto da Associação dos Fornecedores de Cana da Região de Bariri (Assobari), a 327 quilômetros de São Paulo, cujo raio de atuação engloba produtores vizinhos da bacia do Tietê-Jacaré. Criada há 15 anos – dos quais dez fazendo parte da Orplana –, a entidade tem 180 associados, sendo que 85% são considerados pequenos produtores, com produção de até 5 mil toneladas por ano.
De olho nas tendências de sustentabilidade, especialmente em relação à comercialização de créditos de carbono, em 2008 a Assobari foi a primeira associação do mundo a ter cana certificada. Fanton explica que foi criado, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Organização Internacional Agropecuária (OIA), um protocolo de qualidade socioambiental, que contava com mais de trezentos itens que deveriam ser respeitados em sua integridade. Ele lembra que a Solidaridad Brasil, via Orplana, contribuiu financeiramente para o processo de certificação.
E o pioneirismo ainda foi além. A certificação criada pela Better Sugarcane Initiative (Bonsucro) – considerada a principal certificação internacional de qualidade das empresas que produzem derivados da cana-de-açúcar – que inicialmente era exclusivo para usinas, em 2014 passou a utilizar como referência o protocolo criado pela Assobari e parceiros para fornecedores de cana.
O certificado contempla da preparação da terra até o transporte para o porto. Isso para a associação foi excelente, pois garantimos um rigoroso controle de qualidade. O produtor se transformou num empresário”, conta.
Em parceria com o programa Água Brasil, financiada pelo Banco do Brasil, a Assobari e o Sebrae lançaram em 2015 um projeto de suporte a fornecedores de cana-de-açúcar da região para obter a certificação Bonsucro. Fanton explica que, durante dois anos, os produtores rurais da região foram avaliados por técnicos especializados, que os ajudaram a adequar sua propriedade à legislação trabalhista e ambiental, melhoria da gestão e capacitação. “Foi criado um protocolo para o manuseio da água e o uso adequado de agroquímicos para evitar a contaminação. Além disso, foram criadas ações para a conservação da nascente e o fim da erosão”. Ele ainda destaca a redução dos custos de restauração de Áreas de Preservação Permanente (APPs), fundamentais para aumentar a quantidade e a qualidade de água disponível e promover refúgios para fauna.
CUMPRIMENTO DAS REGRAS
Segundo Fanton, o produtor começou a ter mais controle de seus processos seja na parte ambiental, com o planejamento das ações, participação em cursos, uso adequado do Equipamento de Proteção Individual (EPI) e de defensivos agrícolas, ou na parte econômica, com projetos de desenvolvimento para o mercado e a criação de empresas que pudessem atender as demandas das associações. Até agora já foram obtidos 62 certificados entre pequenos e médios agricultores. O selo garante menor quantidade de impurezas vegetais e minerais na cana e maior nível de Açúcar Total Recuperável (ATR), permitindo um maior rendimento da produção.
O intuito, de acordo com o presidente, é certificar, num futuro próximo, 100% da carteira da Assobari. E ele cita o planejamento estratégico da Orplana, que prevê uma frente de trabalho na certificação. “Trata-se de um investimento alto para o produtor e, para que isso seja uma realidade para todos, é preciso de uma ação maior”.
Ulisses Fanton acredita que a proposta do Muda Cana de criar interfaces entre as associações e formatar processos que se adequem às realidades das associações é um grande passo. “Ao criar um sistema que se aproxima das associações e, consequentemente dos produtores, é possível ver as deficiências e atuar onde é preciso. Além disso, a troca de informações e a unificação de um banco de dados permitem boas oportunidades”, diz.
O valor das parcerias também tem sido um tema para sensibilização de produtoras e produtores para ampliar resultados. Segundo Ednéia Cornaccini, gestora executiva da Associação dos Fornecedores de Cana da Região Oeste Paulista (Afcop), o fato de a associação ter sido uma das primeiras associações do Muda Cana permitiu a união de novos esforços. “Isso acabou nos levando para integrar o Programa ELO da Raízen. Já participamos de treinamentos sobre o uso correto e seguro de agrotóxicos; prevenção e combate a incêndios e destinação correta de embalagens vazias e do lixo doméstico, eletrônico e veterinário”, conta.
Além disso, a Afcop – localizada em Valparaíso, a 560 quilômetros de São Paulo – criou um comitê de sustentabilidade na região, do qual já fazem parte a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Valparaíso, Câmara Municipal de Vereadores, Sindicato Rural e usinas da região.
PROFISSIONALIZAÇÃO E GESTÃO DE RISCOS
O superintendente da Associação dos Fornecedores de Cana de Guariba (Socicana), a 338 quilômetros de São Paulo, Rafael Kalaki, lembra dos resultados do programa Top Cana, fruto da parceria entre Socicana e a Solidaridad Brasil.
O grande ganho para os produtores foi aprender a gerenciar os riscos. Quando ele faz isso, se profissionaliza e aumenta a produtividade”, diz.
Criado em 2016, a iniciativa capacitou 120 produtores de cana-de-açúcar da região oeste do estado de São Paulo em gestão sustentável da produção por meio de melhores práticas agrícolas nas propriedades.
Para Maurício Palazzo, diretor da Socicana, o Top Cana trouxe procedimentos que obrigaram os produtores a se adequarem às normas, sejam elas referentes ao armazenamento adequado de agroquímicos, à lavanderia agrícola, ao descarte correto de embalagens. “Questões ambientais e cuidados com o trabalhador que passaram a ter valor. Ou seja, tomou-se consciência de que era fundamental seguir as regras, o que muda completamente a visão”, observa.
Em relação ao Muda Cana, Rafael Kalaki destaca sua importante função para o protagonismo das associações. Segundo ele, uma associação fortalecida faz toda a diferença para a vida do produtor. Ele também chama a atenção para a capacitação digital que, ao contrário do que se pode pensar, é de fácil assimilação por parte dos mais velhos, e seu conteúdo, de grande importância, acaba sendo aplicado no cotidiano.
Segundo o superintendente da Socicana, é preciso expandir o modelo do Muda Cana para outras cadeias e culturas, uma vez que a cadeia sucroenergética já está profissionalizada. Ele ainda reforça o grande papel que a Solidaridad Brasil vem exercendo para as associações.
Elas não têm recursos e, quando chega uma organização com esta trajetória, faz a diferença. Antes da Solidaridad, não havia desenvolvimento sustentável. Ela trouxe questionamentos, mas veio também com soluções”, afirma.
A presidente da Associação dos Fornecedores de Cana de Capivari (Assocap), a 142 quilômetros de São Paulo, Cristina Pacheco, lembra que alguns processos anteriormente eram passados da indústria para o produtor, sem a mediação das associações. “Isso muitas vezes impedia que a gente estabelecesse algo que fosse bom para todos”, comenta. De acordo com ela, o Muda Cana unifica processos e permite a integração dos produtores.